Esta plaquete nasceu de uma necessidade de abrigo.
Há dias em que o cinismo do mundo pesa demais, e a voz de Belchior é o único lugar onde encontro um antídoto. A escrita foi uma consequência natural dessa escuta, uma forma de prolongar a conversa com esse amigo que, mesmo ausente, nunca deixou de me responder. Foi um jeito de agradecer por ele me salvar, tantas vezes, do cansaço e da desistência.
A obsessão que atravessa esta plaquete é a da palavra como navalha. Eu queria explorar como Belchior fez da canção um ato de filosofia rebelde, um bisturi para a alma de um país. Ele não oferecia consolo, oferecia verdade, por mais que doesse. Cada carta é uma tentativa de entender um corte diferente dessa lâmina: o desencanto, o amor dilacerado e urbano, a desilusão política. A obra é um mapa da nossa ferida coletiva, desenhado por sua voz.
A estrutura de cartas e ecos poéticos foi a forma que encontrei para honrar a dualidade de Belchior. A carta em prosa é a minha tentativa de pensar com ele, de tatear os sentidos de cada álbum. O poema que vem depois é a rendição, o eco do que a música dele me fez sentir. É a conversa entre a razão e o arrepio, entre o pensamento e a pele.
Acredito que a chave para toda a plaquete está na carta sobre Alucinação. Ali, a ideia de que "alucinação foi tua forma de ver claro demais" se condensa. Aquele álbum é o manifesto do desalinho, o momento em que a voz dele racha o verniz social e mostra a ferida como quem abre a camisa em praça pública. Todo o resto da plaquete é uma exploração das consequências daquele gesto de coragem.
A voz que fala aqui é a de um ouvinte. Um ouvinte que reza com essas canções não por devoção, mas por necessidade. É uma voz que se reconhece no desencanto dele, que encontra abrigo na sua teimosia de não se adaptar. Não há distância crítica; é uma escrita de dentro da escuta, um testemunho do que essa navalha fez e ainda faz em mim.
Minha esperança, com esta plaquete, é partilhar um refúgio. É dizer ao leitor: "se você também se sente desalinhado, cansado, aqui existe uma voz que te entende". Queria que a plaquete funcionasse não como uma análise, mas como um mapa para essa pátria provisória que a obra de Belchior oferece. Uma pátria feita de afeto e resistência.
Hoje, vejo que voz, belchior, navalha me ensinou sobre a potência da escuta. Escrever a partir da obra dele foi um ato de me reabastecer de coragem e lucidez. A plaquete é a minha prova de que certas vozes não se calam com a morte; elas se tornam verbos. E o verbo "Belchior" significa, para mim, a teimosia de pensar cantando, mesmo quando tudo ao redor conspira pelo silêncio.
Adoraria dividir com você esta minha experiência de "ler" Belchior.