( lendo Alberto Acosta)
A modernidade nos legou a métrica da acumulação, uma ontologia do progresso linear que se impõe como destino. Diante dela, ergue-se uma sabedoria que não fala a língua da pressa, mas a do tempo circular; uma filosofia que pulsa a partir da terra, da comunidade e do cosmos. É o Sumak Kawsay¹, a episteme do Bem Viver.
Como nos provoca Alberto Acosta em sua obra O Bem Viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos, não se trata de um modelo de desenvolvimento a ser importado, mas de uma fenda no imaginário hegemônico. É a possibilidade de sentir e pensar o mundo a partir de uma outra racionalidade, relacional e integrada. O Bem Viver não é uma linha de chegada, mas o próprio caminhar em Pakta Kawsay, um equilíbrio dinâmico que nos sintoniza com os ciclos da natureza, ensinando-nos a existir sem excesso e sem falta.
Nessa senda, desabrocha a Alli Kawsay, a harmonia que tece a teia da vida, onde o bem-estar do indivíduo é indissociável do bem-estar do todo. E desse acordo profundo com a existência, emerge a Samay, a serenidade de quem se reconhece como parte, não como centro; um instante de plenitude no grande fôlego do universo.
A memória aqui não é arquivo morto, mas manancial. O Yachay, o saber ancestral, é uma epistemologia insurgente que resiste ao esquecimento colonial, nutrindo o presente com a força do passado. Este saber floresce em Wiñak Kawsay, a criatividade que reinventa a tradição, permitindo que a comunidade teça seu futuro com os fios da sua própria história.
O "eu" dissolve-se no "nós" sem se anular. A lógica da interdependência se materializa no Ruray, maki-maki, o trabalho comunal que transforma a labuta em celebração. Seu motor é o Randi-Randi², uma economia relacional e sagrada do dar e receber, que funda o valor na reciprocidade e não na acumulação. Esta ética do cuidado se organiza politicamente no Ushay, o poder que emana da comunidade para a proteção da vida em sua totalidade.
O Sumak Kawsay, portanto, é mais que uma alternativa: é uma práxis poética e política. É a imaginação de outros mundos possíveis, aqui e agora, na reconexão radical com a teia que nos sustenta a todos — humanos e mais-que-humanos. É a vida em seu estado mais digno e florescente.
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