"É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária."
— Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), art. 4º.
O noticiário de hoje não fala baixo. Nesta sexta, 15 de agosto de 2025, a prisão do infuenciador Hytalo Santos em São Paulo acendeu o farol sobre uma ferida antiga: a adultização de crianças como moeda e espetáculo. A operação, ligada ao Ministério Público da Paraíba, que investiga exploração e exposição sexual de menores nos lembra que, por trás da vitrine cintilante, há mãos pequenas empurradas para o palco antes da hora.
Felipe Bressanim, o Felca, gritou. O eco de sua voz não foi só de indignação. Seu vídeo catalisou uma conversa nacional sobre a exploração infantojuvenil nas plataformas. A Câmara dos Deputados já contabiliza inúmeros projetos para regular a exposição de menores e apertar o cerco às big techs. A Justiça, por sua vez, suspendeu contas e autorizou buscas. Quando o barulho vira política, alguma coisa começa a se mover.
As redes são praça e beco: luz aberta para o encontro, sombra propícia ao aliciamento. O mesmo algoritmo que dá megafone ao oprimido também remunera a curiosidade mórbida, empurra corpos infantis para a borda do desejo, lubrifica a engrenagem da "cliquesfera". Especialistas repetem o óbvio que fingimos esquecer: criança não é produto, nem pauta de tendência.
E nós, pais, mães, cuidadores, professores, ficamos sentados à porta de um território sem cercas. Colocamos senha, negociamos horários, vigiamos telas. Ainda assim, o fracasso ronda como um cão sem dono, porque a fronteira é de ar. No fundo, sabemos que “educar” sempre foi menos vigiar do que acompanhar, menos algoritmo do que colo, rotina, presença.
A lei, que é memória do que prometemos proteger, já escreveu essa salvaguarda: dignidade, imagem, integridade psíquica e moral. É dever de todos velar por isso. Estado, família, plataformas, anunciantes, enfim, nós. Se nos perdemos, que o ECA nos puxe pela mão, como quem atravessa uma rua perigosa.
Há sinais de que a casa acordou: o governo federal reforçou ações contra violência sexual online; o Conanda pede urgência; o Senado já aprovou um projeto que regula ambientes digitais e a Câmara discute a votação. Que não seja apenas resposta a um trending topic, mas a retomada de um pacto antigo: infância é tempo de chão batido, de caderno com o nome na capa, de brincar sem preço.
Não basta prender um culpado e seguir rolando a tela. É preciso desindexar a pressa, desmontar a economia da exposição, responsabilizar plataformas, punir exploradores, amparar famílias, reconstruir hábitos. Que cada escola reabra o pátio. Que cada casa reaprenda o ritual da mesa Que cada feed lembre que por trás de um “engajamento” há alguém que ainda deveria colecionar pedrinhas na calçada.
O que Felca gritou precisa ecoar até que o amanhã chegue na hora certa, pois quando a criança puder aprender a ser brisa antes de ser vento; voz antes de ser vitrine e pessoa antes de ser dado nós, hmanidade, estaremos no caminho certo.
Se a infância é roubada, o futuro desaprende o próprio nome.
__