O sapato bate na calçada. Um, dois. Esquerda, direita. O ritmo quase automático dos pés no chão é, para mim, o metrônomo do pensamento. Desde que me entendo por gente, caminhar é uma forma de investigar o mundo. É um convite, às vezes exaustivo, para olhar para dentro. Caminho e penso, penso e caminho.
Não me atrevo a dizer que sou filósofo. Deus me livre. Não domino as teias complexas dos sistemas, nem me dedico a dissecar os grandes pensadores com a disciplina que eles merecem. Mas, se filosofar é este ato de andar e questionar, de tentar decifrar a pressa do homem de gravata ou o silêncio da árvore na praça, então talvez eu seja um "filosofante". Um pensador errante, no máximo.
Tenho uma admiração profunda por eles, os filósofos de verdade. Admiro a coragem de mergulhar no caos da realidade e tentar extrair dali uma ordem, uma gramática que nos ajude a viver. Mesmo quando discordo, respeito o esforço.
Quando tento organizar meu próprio turbilhão, recorro à escrita. Mas minhas palavras saem tortas, sem a precisão de um tratado. São mais para mosaicos, fragmentos de ideias e emoções tentando se encaixar.
É por isso que quase sempre fujo para a poesia.
A poesia, com suas metáforas e sua bendita liberdade, me dá um refúgio. Ela me deixa ensaiar. Sim, é isso. Entre os poemas, ensaio aquilo que, quem sabe um dia, serão os problemas que enfrentarei com o rigor de um filósofo.
Sem nunca o ser, é claro.
Eu reconheço minhas limitações. Falta-me o sistema, a ausência de um método rigoroso me impede de chamar meus rabiscos de "obra filosófica", por mais significado que eu tente embutir neles.
Continuo, então, trilhando meu caminho. Um pé na filosofia, outro na poesia, buscando na fusão da razão com a sensibilidade uma forma honesta de entender o mundo.
O sapato continua batendo na calçada. Talvez, no fim das contas, o que eu procure seja uma síntese que nunca poderá ser publicada. Talvez minha vida seja apenas isso: um grande ensaio que se forma nas entrelinhas deste poema existencial e aberto que sou eu, caminhando.
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