Mãos escrevendo poema com tinta preta em papel branco sobre mesa de madeira


O amor, como a vida, não cabe em definições estanques.

Os gregos souberam disso: não aceitaram a palavra única, preferiram abrir o verbo em faces, deixar que a experiência fosse dita em muitos nomes. Hoje reduzimos tudo a um só rótulo - amor é amor - e assim empobrecemos o mistério.

Philia (φιλία) é o pacto silencioso das amizades, onde a vida se apoia. Não há erros em sua centelha, mas uma presença que atravessa o tempo, como o corpo que repousa no ombro do outro em meio ao desamparo.

Storge (στοργή) é a pele que recorda, o gesto instintivo de proteção. Mãe, pai, filho, filha: vínculos que resistem à morte, mesmo quando a ausência os devora. É a memória que insiste, o corpo que se reconhece no corpo.

Ágape (ἀγάπη) é o dom que se entrega sem cálculo. Um amor que não mede, não pesa, não cobra. Em tempos de solidão maquínica e vínculos descartáveis, ele soa como utopia. E, no entanto, só ele permite entrever a possibilidade de uma ética do cuidado: dar-se para que o outro possa continuar.

Philautia (φιλαυτία) é espelho. Saber-se digno de existir é também medicina. Mas o excesso fere: pode tornar-se narciso, prisão de si mesmo. Aqui pulsa a pergunta existencial: como amar a si sem deixar de ser para o outro?

Eros (ἔρως) é ferida e chama. Desejo que nos arranca do lugar, nos lança ao devir. Platão o compreendeu como impulso criador, força que conduz do material ao espiritual. Mas também é vertigem, risco de perder-se. Amor como excesso, onde vida e morte roçam as bordas.

No fundo, esses nomes não são categorias mortas: são modos de existir. Amar é sempre um ensaio de finitude — um corpo que se abre ao outro, um tempo que se oferece mesmo sabendo-se breve.

Hoje, quando os vínculos se fragmentam e o amor se confunde com consumo, recuperar esses nomes é um gesto de resistência. Não para copiar os gregos, mas para reaprender com eles que o amor é múltiplo, que cada forma de amar nos educa para uma vida mais inteira.

Talvez seja essa a tarefa ética do nosso tempo: devolver densidade ao verbo amar, e nele encontrar não apenas um sentimento, mas um caminho de humanidade.

Para anotar, guardar e, vez ou outra, reler:

Philia (φιλία)

Amizade virtuosa, pacto silencioso que sustenta a vida. Amor que nasce da partilha e permanece no tempo como abrigo contra o desamparo.

Storge (στοργή)

Amor instintivo e familiar, raiz que protege. Entre pais e filhos, irmãos e irmãs, é a ternura que resiste mesmo diante da ausência e da morte.

Ágape (ἀγάπη)

Amor incondicional, entrega sem cálculo. Gesto altruísta que doa sem esperar retorno e funda uma ética do cuidado em tempos de vínculos frágeis.

Philautia (φιλαυτία)

Amor por si mesmo, equilíbrio delicado. Pode ser autocuidado que cura ou narcisismo que aprisiona. Pergunta existencial: como amar a si e ao outro?

Eros (ἔρως)

Amor-desejo, ferida e chama. Impulso que arranca do lugar e conduz do corpo ao espírito. Vertigem criadora onde vida e morte se tocam.

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@giovanimiguez  

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Giovani Miguez

SOBRE O AUTOR

Giovani Miguez

Poeta, escritor (mais de 20 livros publicados) e pesquisador. Doutor e mestre em Ciência da Informação (IBICT/UFRJ). Especialista em Psicanálise e Psicologia. Graduado em Gestão Pública com Extensão em Jornalismo de Políticas Públicas. Analista de Ciência e Tecnologia na Coordenação de Ensino do Instituto Nacional de Câncer (INCA). Atualmente, além das pesquisas em Filosofia da Ciência da Informação (Antropologia Filosófica e Documentalidade), pesquisa também sobre Cuidado Narrativo, Cuidado Oncológico, Trabalho em Saúde e Informação em Saúde.

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