Todo extremista tem um espelho secreto. Não é feito de vidro, mas de medo. Diante dele, o outro nunca é realmente o outro. Para ele é apenas a sombra do mesmo. Acusa para não ser acusado, aponta para não ser apontado.
A retórica do fanático veste a máscara da moralidade, mas os gestos traem: o que denuncia é exatamente o que pratica. A fúria contra a intolerância nasce do próprio coração intolerante. O grito contra a censura vem da boca que cala. A cruzada contra a violência parte da mão que fere.
Esse mecanismo é antigo como as guerras santas e recente como as discussões nas redes. Basta um post para que a projeção se faça altar, e a plateia, de tão cansada de nuance, aplauda o eco em vez da palavra.
O extremista não suporta o silêncio, porque nele poderia ouvir a si mesmo. E não suporta o espelho, porque nele poderia reconhecer o reflexo do que tanto acusa. Por isso inventa inimigos, coleciona fantasmas, multiplica monstros: precisa deles para se convencer de que não é um.
Mas há uma fresta: quando o espelho trinca, quando a acusação encontra resistência, a máscara cai. E talvez ali, no caco que ainda reflete, reste a chance de enxergar que ninguém se torna puro por nomear o impuro.
Esta crônica termina sem alívio. Porque o ciclo continua. E o extremista, cego de si, ainda chama o outro de sombra sem perceber que é a própria luz que não sabe atravessar.
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