O ato de cuidar em saúde, especialmente diante do câncer, sempre foi descrito como um confronto: célula contra célula, protocolo contra tumor, vida contra morte. Mas no coração desse cenário, o profissional do cuidado narrativamente competente se mostra menos guerreiro e mais intérprete. Ele não apenas lê exames, mas traduz sentidos.
Entre a máquina e o paciente existe um desfiladeiro. De um lado, a linguagem das curvas de Kaplan-Meier, da resposta parcial, da progressão livre de doença. Do outro, a fala carregada de metáforas: “sinto que tenho uma pedra no estômago”, “minha vida parou”, “parece que carrego uma sombra dentro de mim”. Traduzir não significa dissolver um idioma no outro, mas criar uma terceira língua: híbrida, acolhedora, que não nega a precisão científica nem o calor humano.
Esse profissional do cuidado sabe que o corpo é biologia, mas também biografia. Reconhece que o tumor não cresce apenas nos tecidos, mas também nos tempos interrompidos: a viagem não feita, a festa adiada, o abraço que se teme não dar. Ele devolve ao paciente não apenas diagnósticos, mas narrativas possíveis para seguir vivendo, mesmo na finitude.
A competência narrativa, portanto, não é um adorno. É uma tecnologia do cuidado. Se os algoritmos predizem probabilidades, é a escuta que devolve singularidade. Ao traduzir dados em histórias, o profissional de saúde não abandona a ciência, mas a protege de se tornar desumana. Ele se senta na beira da cama, sustenta o olhar e lembra: o prognóstico não é destino, é horizonte.
Nessa prática, cada encontro se torna uma oficina de linguagem: os números encontram metáforas, os exames se convertem em histórias, a biologia se inscreve em biografias. É aí que a saúde recupera seu gesto mais antigo: ser companhia, presença, tradução de mundos.
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