Mãos unidas segurando um livro aberto iluminado por luz suave


A tela do celular me contou um segredo na madrugada.

Uma voz falava de um Japão quase inventado, onde a civilidade parece perfume no ar e a ordem das coisas é uma prece murmurada, que ninguém ousa rezar em voz alta. Um lugar em que a honra, essa deusa de gestos mínimos, ainda caminha pelas ruas, ensinando que devolver o que se encontra vale mais do que possuir o que se deseja.

O arrepio veio junto com a confissão: o amor que os une não nasceu na mesma igreja que a nossa Foi como descobrir que a lua que me enamora também tem uma face oculta, beijando jardins que nunca verei. Pensei nesse amor japonês: feito de silêncios, de espaços, de uma dança coletiva onde o maior medo é pisar no pé do outro. Um amor que se curva ao todo, não ao céu. Um código gravado na alma que soletra a palavra nós com um peso que desconheço.

Depois a alma viajou, e eu com ela, para terras de neve, onde o frio obriga a partilhar o fogo. Ali a confiança vira pão sobre a mesa do Estado, o amor se prova em impostos, se declara em hospitais públicos, se promete em escolas abertas a todos. Um ateísmo tão cheio de fé no próximo que quase me comoveu, quase me convenceu.

E eu aqui, neste lado do mundo, onde a fé é quente, barulhenta, e o abraço é nossa gramática mais segura. Onde a esperança insiste, mesmo quando não devia.

Olhando a luz fria da tela, não senti inveja nem juízo. Senti só um flerte. Um desejo de aprender outras maneiras de amar o mundo. Penso nos amores discretos que sustentam o universo sem pedir palco. O amor pela harmonia. O amor pelo pacto.

Tanto na terra do sol nascente, quanto terra dos contos de fada, na terra das florestas silenciosas e na terra das noites mágicas, onde Deus quase não entra na equação, fica claro que nem é preciso ser cristão; basta ser humano.

E me pergunto, quase em voz baixa: qual verso esquecemos de escrever no poema do nosso dia?

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@giovanimiguez


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Giovani Miguez

SOBRE O AUTOR

Giovani Miguez

Poeta, escritor (mais de 20 livros publicados) e pesquisador. Doutor e mestre em Ciência da Informação (IBICT/UFRJ). Especialista em Psicanálise e Psicologia. Graduado em Gestão Pública com Extensão em Jornalismo de Políticas Públicas. Analista de Ciência e Tecnologia na Coordenação de Ensino do Instituto Nacional de Câncer (INCA). Atualmente, além das pesquisas em Filosofia da Ciência da Informação (Antropologia Filosófica e Documentalidade), pesquisa também sobre Cuidado Narrativo, Cuidado Oncológico, Trabalho em Saúde e Informação em Saúde.

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