A tela do celular me contou um segredo na madrugada.
Uma voz falava de um Japão quase inventado, onde a civilidade parece perfume no ar e a ordem das coisas é uma prece murmurada, que ninguém ousa rezar em voz alta. Um lugar em que a honra, essa deusa de gestos mínimos, ainda caminha pelas ruas, ensinando que devolver o que se encontra vale mais do que possuir o que se deseja.
O arrepio veio junto com a confissão: o amor que os une não nasceu na mesma igreja que a nossa Foi como descobrir que a lua que me enamora também tem uma face oculta, beijando jardins que nunca verei. Pensei nesse amor japonês: feito de silêncios, de espaços, de uma dança coletiva onde o maior medo é pisar no pé do outro. Um amor que se curva ao todo, não ao céu. Um código gravado na alma que soletra a palavra nós com um peso que desconheço.
Depois a alma viajou, e eu com ela, para terras de neve, onde o frio obriga a partilhar o fogo. Ali a confiança vira pão sobre a mesa do Estado, o amor se prova em impostos, se declara em hospitais públicos, se promete em escolas abertas a todos. Um ateísmo tão cheio de fé no próximo que quase me comoveu, quase me convenceu.
E eu aqui, neste lado do mundo, onde a fé é quente, barulhenta, e o abraço é nossa gramática mais segura. Onde a esperança insiste, mesmo quando não devia.
Olhando a luz fria da tela, não senti inveja nem juízo. Senti só um flerte. Um desejo de aprender outras maneiras de amar o mundo. Penso nos amores discretos que sustentam o universo sem pedir palco. O amor pela harmonia. O amor pelo pacto.
Tanto na terra do sol nascente, quanto terra dos contos de fada, na terra das florestas silenciosas e na terra das noites mágicas, onde Deus quase não entra na equação, fica claro que nem é preciso ser cristão; basta ser humano.
E me pergunto, quase em voz baixa: qual verso esquecemos de escrever no poema do nosso dia?
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