"O ato poético é um ato de cuidado."
Ao longo de dez plaquetes, não construi apenas uma coleção de antologias poéticas, mas um projeto poético coeso e singular, guiado por uma filosofia clara, expressa em cada um dos volumes: "o ato poético é um ato de cuidado". Vistas em conjunto, as obras revelam uma profunda cartografia da existência, onde a escrita se torna uma ferramenta para documentar, honrar, costurar e dar sentido tanto ao universo íntimo quanto à memória coletiva brasileira. O projeto assenta-se sobre dois grandes pilares que, embora distintos, dialogam constantemente.
O primeiro é o da escuta reverente, materializado nas plaquetes-tributo a figuras centrais da música brasileira. Em Pimenta, Elis, Doçura, Voz, Belchior, Navalha, Raios, Raul, Relâmpagos, Voz, Clara, Resistência, Aleluia, Mateus, Infinito e Ironia, Rita, Deboche, estabeleci um formato consistente e poderoso: cartas poéticas que percorrem a discografia de cada artista, seguidas por poemas-ecos que sintetizam a alma de cada álbum.
Nestas obras, os músicos são elevados à condição de poetas-filósofos, e seus discos, tratados como textos sagrados. Belchior empunha uma "navalha" de lucidez cortante , Clara Nunes é um "rio" de resistência e fé , Mateus Aleluia ergue "templos" de som ancestral , e Elis é um "vento que incendeia" a memória. Ao fazer isso, o poeta pratica um ato de cuidado com o legado cultural, garantindo que essas vozes não se tornem ecos distantes, mas presenças vivas e atuantes.
O segundo pilar é o do mergulho interior, onde volto a lente para meu interior e para as texturas do existir. Este eixo é explorado em obras como Corpo poema , que investiga a carne como o primeiro e último território da experiência, e Metapoéticas , um corajoso diário de bordo sobre o próprio fazer poético, onde a escrita é celebrada como "sutura" e "ato" mais do que como produto finalizado . Em Prosas miúdas, algumas mudas , te convido a encontrar a poesia nos "cacos de silêncio do cotidiano", valorizando os gestos e as paisagens que a pressa do mundo nos faz esquecer. Essa busca pelo essencial culmina em Moringa, sutura, estrutura , uma plaquete que define a própria função da poesia: ser um recipiente para a memória (moringa), um remendo para a dor (sutura) e um sustento para a travessia (estrutura).
A voz que unifica essa coleção é a de uma sensibilidade aguçada, que se manifesta em uma forma híbrida de prosa poética e versos minimalistas. Seja ao decifrar a "anarquia sagrada" de Raul Seixas ou ao refletir sobre o "mal-estar" da era digital em Moringa, sutura, estrutura, posiciono-me como um cartógrafo de sensações. A minha não é uma poesia de grandes ornamentos, mas de precisão e afeto, que busca a palavra exata para nomear tanto uma "alucinação" de Belchior quanto a beleza de um "único fio de sol" que atravessa uma fresta .
Lidas em sequência, as dez plaquetes se revelam como um corpo de obra coeso, um testemunho de como a poesia pode ser, de fato, uma "tecnologia de cuidado". Ao cuidar da memória de seus heróis, ao desnudar meu próprio processo criativo e ao encontrar beleza nos fragmentos do dia a dia, não apenas escrevo poemas, mas ofereço ao leitor um conjunto de ferramentas para, também, cuidar da própria existência. É um projeto poético que insiste na delicadeza como forma de resistência e na escuta como o mais fundamental dos atos.
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