Rita Lee, a rainha do rock brasileiro


Deixa eu te contar sobre esta plaquete em homenagem à Rita Lee.

Eu me lembro ela começou a nascer no silêncio, depois de escutar exaustivamente uma playlist. Com a partida de Rita, não percebi que ela não havia simplesmente ido embora; hoje percebo que ela tinha na verdade, se infiltrado em nós, no nosso jeito de amar, de rir, de resistir. Senti uma urgência quase física de mapear essa jornada, de entender como a feiticeira psicodélica dos Mutantes havia se transmutado na padroeira das nossas liberdades mais íntimas. A obra não nasceu de uma decisão, mas de uma constatação: a voz dela havia se tornado a trilha sonora da coragem de ser quem se é, e esse percurso precisava ser documentado.

Olhando para o conjunto agora, percebo que eu estava tentando dar conta de uma única pergunta: como a liberdade se torna carne? Rita foi a resposta. Ela pegou a grande utopia da revolução e a traduziu para os atos do cotidiano: o sexo, a coragem de ser a ovelha negra, o deboche como antídoto para a caretice. A obra inteira é uma tentativa de traçar essa metamorfose. A plaquete acompanha a voz dela descendo do espaço, abandonando o cosmos para pisar no chão do quarto, e nesse trajeto, ele tenta mostrar como a ironia, a celebração do corpo e a confissão íntima se tornaram, talvez, os atos políticos mais potentes que nos restaram.

A escolha da forma não foi um acaso. Estruturar o livro como "cartas à padroeira da liberdade" foi a maneira que encontrei de estabelecer um diálogo íntimo, um "tu" a "eu" que atravessasse o tempo. Eu não queria a distância fria da análise, queria a proximidade da conversa. E a arquitetura de cada capítulo, com uma carta em prosa poética seguida por um poema mínimo foi uma decisão deliberada. A prosa é o mapa, a contextualização da jornada de álbum em álbum; o poema curto é a vertigem, o eco, a pílula de sentimento que cada um daqueles discos me deixou. Eu precisava que o leitor sentisse a trajetória em dois tempos: o da reflexão e o do arrepio.

Talvez o texto que melhor sintetize esta jornada seja o que dediquei a Fruto Proibido. Ele surgiu da imagem de uma porta sendo chutada. Ali, naquele disco, Rita deixa de ser um ingrediente na revolução dos outros para se tornar a própria revolução. A loba que uiva no quintal de casa é a metáfora central de todo o livro. É o momento em que a ferida do exílio vira canção , em que a inadequação se transforma em hino de autoaceitação para todos os desajustados. Aquele capítulo é o coração da obra, pois é nele que a bruxa expulsa começa a se tornar a santa padroeira, não por milagres, mas por sua teimosa humanidade.

As pessoas às vezes perguntam quem fala ali naquelas cartas . A verdade é que essa voz é, ao mesmo tempo, uma máscara e uma confissão. É a máscara do poeta que organiza e interpreta uma trajetória, mas é a confissão do fã que se sentiu, em tantos momentos, "Ovelha Negra", e que aprendeu com a gargalhada de Rita a se levar menos a sério. O "eu" que escreve é o porta-voz de uma geração inteira que se viu espelhada naquela figura que transformava a vulnerabilidade em rock'n'roll.

Minha esperança, ao colocar esta plaquete no mundo, era que a discografia de Rita fosse vista não como uma prateleira de vinis, mas como um mapa da alma. Um guia de como sobreviver com deboche, como transformar a dor em festa e como fazer da própria pele a única pátria possível. Em meu trabalho com o Ateliê Po(ético), defendo o livro como um "documento existencial" e a escrita como uma "tecnologia de cuidado". Esta plaquete é a materialização disso: um convite para que o leitor revisite a obra de Rita e encontre nela um lembrete da coragem que é ser, simplesmente, quem se é.

Hoje, ao reler estes versos, vejo com mais clareza o que eu buscava. Não era escrever sobre Rita Lee, mas escrever com ela. A plaquete me ensinou que a homenagem pode ser uma forma de poesia, e que a poesia é talvez a melhor ferramenta para documentar a passagem de um cometa.

Deste modo, Ironia, Rita, Deboche é o meu jeito de dizer, para mim e para os outros, que a padroeira permanece, que a música não parou e que eu, como tantos, ainda bailo com ela.

Visite meu site, peça sua plaquete.

@giovanimiguez

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Giovani Miguez

SOBRE O AUTOR

Giovani Miguez

Sou poeta, escritor e pesquisador. Nasci em Volta Redonda, mas vivo na cidade do Rio de Janeiro. Sou autor de mais de 20 livros. Possuo formação em Gestão Pública com extensão em Jornalismo de Políticas Públicas, doutorado e mestrado em Ciência da Informação, além de especializações em Sociologia e Psicanálise e formação em Biblioterapia e Mediação de Leitura. Atualmente, investigo temas relacionados ao trabalho, corpo e cuidado, além do papel da leitura como prática de cuidado de si, do outro e do mundo e como estratégia para o fortalecimento do indivíduo e dos laços sociais.

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