Pessoa escrevendo uma crônica em um caderno sobre uma mesa com livro aberto e xícara de café

Andar pelas ruas de uma cidade qualquer e, de repente, perceber uma cena curiosa. Ou escutar ao longe o som abafado de alguma casa. Esses momentos, um tanto invisíveis numa rotina marcada pela pressa, tantas vezes acabam narrados em textos curtos, rápidos e cheios de frescor, como as crônicas. Talvez você já tenha lido uma delas sem nem se dar conta: um encontro casual, um ruído estranho em plena segunda-feira, a lembrança que invade durante o café da manhã.

Ver o que ninguém nota pode ser o ponto de partida de uma nova história.

Ao longo deste artigo, quero te levar a pensar no gênero das crônicas, seu diálogo direto com o cotidiano e sua capacidade de provocar reflexões profundas sobre nós mesmos. Mais do que simples entretenimento, a crônica pode ser também uma pequena fresta para o autoconhecimento e, por que não, para o cuidado de si, esse conceito tão necessário em tempos de agitação contínua.

O que é uma crônica? um olhar delicado sobre o ordinário

A crônica, em sua essência, é um texto curto e fluido, que nasce do olhar sensível sobre eventos aparentemente banais do dia a dia. É uma prosa rápida, acessível, quase como uma conversa de bar, mas capaz de tratar de temas variados: da política à infância, da solidão à pressa moderna.

O gênero, como bem analisou Ana Karla Dubiela em seu texto sobre crônica e contemporaneidade, tem sua marca justamente na mistura: mistura de tom, de assunto, de formas. Não raro, crônicas saltam entre o real e o ficcional, criando essa atmosfera híbrida que tanto encanta brasileiros.

  • Linguagem simples: Palavra fácil, ritmo leve.
  • Foco no cotidiano: Fatos simples transformados em reflexão.
  • Subjetividade: O olhar do cronista é pessoal, até íntimo.
  • Breviedade: Textos curtos, normalmente publicados em jornais ou revistas.

É curioso pensar como, apesar das mudanças do mundo, a crônica permaneceu como uma companhia nas páginas dos jornais e, atualmente, também nas redes sociais e blogs, reinventando formas de diálogo entre autor e leitor.

Livro aberto ao lado de uma xícara de café sobre a mesa

Cotidiano narrado: entre o comum e o extraordinário

Algo marcante no universo das crônicas é sua capacidade de converter o ordinário em extraordinário, como Fabíola Fernandes Martins ressalta em seu artigo sobre a releitura do cotidiano pelo texto breve. Ou seja, relatos aparentemente banais tornam-se pontos de partida para reflexões profundas, críticas sociais, ou mesmo poesia em prosa. Aquela fila de banco, por exemplo, pode virar uma aula sobre paciência; um temporal repentino transforma-se em sinfonia urbana.

O cotidiano guarda pequenas epifanias, se o olhar for atento.

A cidade como personagem

Os grandes centros urbanos, com sua gente apressada, buzinas insistentes e cheiros múltiplos, são cenário frequente. Não por acaso, cronistas como Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade e Clarice Lispector escreveram páginas memoráveis sobre os compassos do Rio de Janeiro, do Recife e de tantas outras cidades.

Imagens como um cachorro dormindo na sombra de uma banca de jornal ou a pressa de uma criança correndo para a escola pulam das leituras e se instalam na memória do leitor.

Sotaque brasileiro

No Brasil, esse gênero ganhou personalidade própria. Nossa tradição de valorizar o improviso, de rir de si, de transformar dor em ironia, está muito viva na produção nacional. Isso não passa despercebido nas palavras de pesquisadores quando apontam como a crônica provoca deslocamentos e amplia olhares. Técnicas como o “efeito-lupa”, que amplia o pequeno, que retira a poeira da mesmice, tornam o texto breve em uma janela para estranhar o que era “normal”.

Pessoa escrevendo à mão, sentado com café, vista para cidade

Reflexão social e expressão pessoal: a crônica como espaço de encontro

Entre suas funções, a crônica permite ao autor reagir aos acontecimentos do mundo. Mas não só isso. Ela abre espaço para que questões íntimas ganhem voz pública, misturando sentimentos pessoais e experiências coletivas.

No artigo Vivências de si no interior do cotidiano: o caso de uma crônica jornalística brasileira, Carla Roselma Athayde Moraes destaca a força do discurso introspectivo, que aparece tanto nos textos jornalísticos quanto nos literários. O cronista fala de si, mas também de todos aqueles que vivem coisas semelhantes.

  • Criticar suavemente: A ironia e o humor presentes nas crônicas podem apontar problemas sociais de modo leve, quase sutil.
  • Abraçar a dúvida: O cronista nem sempre traz respostas. Muitas vezes, lança perguntas ao leitor, convidando ao diálogo.
  • Registrar memória: Vidas comuns, acontecimentos efêmeros, ficam registrados, e, ao serem contados, tomam novo sentido.
A crônica é um espelho levemente embaçado: reflete, mas permite novas interpretações.

Exemplos de cronistas brasileiros reconhecidos

O Brasil é terreno fértil para talentos desse gênero. Autores como Rubem Braga, considerado por muitos o “pai da crônica”, soube dar voz à vida comum. Carlos Drummond de Andrade trouxe sua ironia e lirismo para temas urbanos, enquanto Clarice Lispector mergulhou fundo no íntimo e no emocional, redefinindo o lugar da mulher na crônica. Também vale lembrar Luís Fernando Verissimo e seu humor afiado, tão presente nas colunas semanais.

Esses nomes, e tantos outros, fizeram e fazem das crônicas brasileiras um terreno de diálogo entre tempo, espaço e pessoas, servindo como referência tanto para quem escreve quanto para quem lê.

Leitura, escrita e laços: caminhos de desenvolvimento e pertencimento

Escrever ou ler crônicas é, em última instância, um exercício de empatia e autopercepção. Não se trata apenas de absorver um relato, mas de se identificar, de rir junto, de se inquietar ou se acalmar diante do caos urbano.

Ler é, também, se reconhecer nos olhos do outro.

Ler, sentir, crescer

O envolvimento com esse gênero traz benefícios evidentes ao desenvolvimento humano. Ela promove:

  • Atenção às sutilezas: Aprender a perceber detalhes que antes eram invisíveis.
  • Repertório interpretativo: Desenvolver a leitura crítica em relação ao mundo.
  • Diálogo entre gerações: As crônicas alcançam jovens e idosos; todos compartilham tais momentos de identificação.
  • Autoconhecimento: O contato direto com conteúdos que falam de sentimentos e dúvidas comuns cria pontes para refletirmos sobre nós mesmos.

Escrever também cura

Quem se arrisca a escrever pequenas narrativas do dia a dia, tenta experimentar com o tempo, com a memória e com as percepções. Escrever é, em si, uma forma de organizar o caos interno, como algumas linhas redescobertas após um dia difícil. Isso dialoga diretamente com a proposta do Ateliê Po(ético) Giovani Miguez, que incentiva o uso da escrita literária como ferramenta de autocuidado e expressão.

Pessoas em círculo lendo sob árvores num parque

Cronista, leitor e sociedade: um ciclo de pertencimento

A prática de ler e escrever pequenas reflexões cotidianas contribui não só para o indivíduo, mas para o tecido social. Por meio das palavras, criam-se pontos de encontro invisíveis. Quantas vezes você compartilhou uma crônica com um amigo, comentando, “parece que foi escrita pra mim”?

A verdade é que, ao colocar em texto o que se vive, o cronista convida o leitor a se sentar junto, nem que seja por alguns minutos, na mesma mesa. Esse compartilhamento tem força para combater a solidão, costurando nossa existência à de tantos outros que sentem e veem o mundo de formas semelhantes.

  • Leitura coletiva: Clubes de leitura estimulam o debate, a escuta e a troca.
  • Interação nas redes: Postagens de crônicas viralizam, criando diálogos entre desconhecidos.
  • Educação: Professores adotam o gênero para estimular a escrita reflexiva de alunos.

Exemplos desse ciclo aparecem também nas propostas do Ateliê Po(ético) Giovani Miguez, que promove oficinas, clubes e espaços para leitura mediada, unindo o prazer literário ao fortalecimento comunitário.

A crônica, o cuidado de si e a saúde emocional

Ao pensar em cuidados consigo mesmo, poucas pessoas se lembram da leitura e da escrita. No entanto, cada vez mais pesquisas mostram suas relações com saúde mental, bem-estar e sensação de pertencimento social.

  • Biblioterapia: O uso sistemático da literatura para propósito terapêutico. O contato com textos sensíveis, como as crônicas, auxilia na reflexão e na elaboração de sentimentos.
  • Mediação de leitura: Quando há um condutor (mediador) responsável por guiar o grupo na apreciação dos textos, promovendo acolhimento e escuta ativa.
  • Prática de autocuidado: Sentar-se alguns minutos para ler, desacelerar, reorganizar emoções.
  • Reforço de vínculos: Compartilhar leituras com familiares ou amigos cria novos espaços de afeto e pertencimento.
Literatura também cura.

Oficinas onde a leitura e produção de textos que dialogam diretamente com o mundo emocional dos participantes é uma oportutinadae única. Nelas, temas urgentes como ansiedade, solidão e busca por prazer no cotidiano aparecem em textos leves, acessíveis, mas que provocam identificação e reflexão.

Mulher lendo sentada perto de janela iluminada

A crônica e suas pontes com o futuro

Em tempos cada vez mais acelerados, a crônica resiste. Talvez porque nos recorde do valor de olhar para o que está ao lado, de escutar mais e julgar menos, de encontrar poesia no que parecia apenas uma repetição sem cor.

Isso deve se materializar não apenas na produção de textos, mas também no incentivo permanente ao cuidado consigo mesmo. A leitura e a escrita, como práticas diárias, constroem um espaço íntimo onde a saúde emocional encontra sustentação, ora pela identificação, ora pela liberdade de criar novas narrativas sobre a própria vida.

Escrever e ler não são luxo, mas necessidade de quem deseja viver pleno.

Conclusão

As crônicas, ao relatar pequenas e grandes experiências cotidianas, aproximam as pessoas, criam laços e promovem o autoconhecimento. Elas são mais do que textos breves ou anotações passageiras; são convite à reflexão, ao afeto e ao cuidado consigo e com o outro. É preciso apostar nesse poder transformador, desenvolvendo oficinas, cursos e atividades que unem literatura, saúde emocional e vínculo social.

Se você deseja mergulhar nessa experiência transformadora, seja como leitor, escritor ou participante de grupos de leitura mediada, venha conhecer nossos projetos, oficinas ou acesse nossas publicações. Permita-se viver o cotidiano sob novas perspectivas—e descubra, junto com a gente, como a literatura pode ser um ato diário de cuidado de si e do outro.

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@giovanimiguez

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Giovani Miguez

SOBRE O AUTOR

Giovani Miguez

Sou poeta, escritor e pesquisador. Nasci em Volta Redonda, mas vivo na cidade do Rio de Janeiro. Sou autor de mais de 20 livros. Possuo formação em Gestão Pública com extensão em Jornalismo de Políticas Públicas, doutorado e mestrado em Ciência da Informação, além de especializações em Sociologia e Psicanálise e formação em Biblioterapia e Mediação de Leitura. Atualmente, investigo temas relacionados ao trabalho, corpo e cuidado, além do papel da leitura como prática de cuidado de si, do outro e do mundo e como estratégia para o fortalecimento do indivíduo e dos laços sociais.

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