Em meio ao caos, figuras armadas erguem a bandeira do Brasil como símbolo de uma facção violenta, ilustrando a apropriação de símbolos nacionais por uma agenda extremista.


Há uma beleza na devastação, mas ela pertence ao tempo, à natureza que retoma o cimento, à ferrugem que colore o abandono. Há uma outra estética, contudo, que não espera. Ela produz a própria ruína. É uma antiestética, uma pulsão de morte que se organiza em retórica e se materializa em gesto. O bolsonarismo é o seu mais recente e ruidoso movimento.

A poesia busca a criação, o encontro, a celebração da vida em suas múltiplas e, por vezes, dolorosas formas. O bolsonarismo, ao contrário, é antipoético em sua essência porque sua única forma de criar é através da destruição. Sua estética não é a da construção, mas a do desmonte. Sua sintaxe é a da violência. Seus verbos de preferência são "vetar", "eliminar", "acabar". Sua paleta de cores é a do fogo que consome a floresta e a do sangue que anseia por jorrar no asfalto.

Não se trata de uma simples ausência de lirismo, mas de uma arquitetura deliberada do grotesco, analisada por semioticistas e sociólogos como uma gramática do poder que se alimenta do medo e da repulsa. A figura do líder, em sua performance de uma virilidade tosca e de uma sinceridade brutal, é o epicentro dessa estética. As falas que minimizam a morte – "e daí?", "não sou coveiro" – não são meros deslizes, mas a própria enunciação da necropolítica: a gestão política que administra quem pode viver e quem deve morrer. A vida de uns, a "gente de bem", é afirmada sobre a anulação da vida de outros – os indígenas, os quilombolas, a comunidade LGBTQIA+, os artistas, os intelectuais, todos aqueles que representam a diversidade que a poesia canta.

A retórica é a da guerra permanente. O discurso constrói um "nós" contra "eles", uma cisão que impede qualquer possibilidade de diálogo, a matéria-prima da política e da arte. O inimigo precisa ser desumanizado para ser combatido. Assim, o opositor vira "comunista", a imprensa vira "lixo", as minorias viram "ameaças aos valores da família". A linguagem é esvaziada de sua capacidade de construir pontes para se tornar uma arma de demolição de reputações, de instituições, da própria verdade. O flerte constante com o golpe, os discursos que preparavam o terreno para a ruptura democrática, são o clímax dessa estética da destruição: a aniquilação da política pelo silêncio dos tanques.

É um projeto que declara guerra à cultura porque a cultura é o campo da imaginação, da crítica, da complexidade. E a estética bolsonarista é a da simplificação grosseira, do meme que humilha, da piada que agride, do gesto que imita uma arma. É o dedo em riste que se recusa a ser a mão que afaga ou a caneta que escreve.

Por isso, o bolsonarismo é fundamentalmente antipoético. Porque a poesia, mesmo quando denuncia a dor e a injustiça, o faz para afirmar a vida. Ela busca a beleza no improvável, a força na vulnerabilidade, a humanidade no outro. A estética bolsonarista, por sua vez, só encontra força na brutalidade, beleza na submissão e satisfação na aniquilação do outro. É a celebração do fim, a apologia do entulho. É a negação do verso.

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@giovanimiguez

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Giovani Miguez

SOBRE O AUTOR

Giovani Miguez

Poeta, escritor (mais de 20 livros publicados) e pesquisador. Doutor e mestre em Ciência da Informação (IBICT/UFRJ). Especialista em Psicanálise e Psicologia. Graduado em Gestão Pública com Extensão em Jornalismo de Políticas Públicas. Analista de Ciência e Tecnologia na Coordenação de Ensino do Instituto Nacional de Câncer (INCA). Atualmente, além das pesquisas em Filosofia da Ciência da Informação (Antropologia Filosófica e Documentalidade), pesquisa também sobre Cuidado Narrativo, Cuidado Oncológico, Trabalho em Saúde e Informação em Saúde.

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