“A poesia pode dizer muito sobre nada e nada sobre muito.”
A sentença acima soa como um paradoxo, mas contém em si o coração do fazer poético. O poeta caminha entre esses dois abismos: de um lado, o vazio que se abre em possibilidades; de outro, a abundância que esmaga pela sua própria grandeza. A palavra poética, frágil e audaz, insiste em atravessar ambos os territórios, mesmo sabendo-se insuficiente.
Nesta pequena crônica, busco explorar essa tensão em três movimentos: o nada fecundo, o muito inominável e o silêncio como forma de dizer. Juntos, eles compõem um mapa da condição paradoxal da poesia.
I. O NADA FECUNDO
A poesia pode dizer muito sobre nada quando se detém no ínfimo. Não no nada absoluto, mas no nada cotidiano: a xícara esquecida na mesa, a poeira suspensa no raio de luz, o rumor da água no encanamento. À primeira vista, insignificâncias. Porém, ao serem tocadas pela palavra poética, tornam-se revelação.
O nada é fértil porque não exige função. Ele se oferece como matéria bruta, como página em branco, como silêncio inaugural. O poeta vê o que ninguém vê. Onde há apenas uma pedra, ele descobre um universo mineral; onde há apenas sombra, ele percebe a memória da luz. É nesse deslocamento de olhar que o nada se multiplica em sentidos.
Dizer muito sobre nada é libertar a palavra da obrigação de narrar grandes feitos ou explicar o mundo. É lembrar que a essência da poesia não está em grandiloquências, mas no milagre do ínfimo. O nada, em poesia, nunca é vazio: é fonte inesgotável de criação.
II. O MUITO INOMINÁVEL
Mas a poesia também pode dizer nada sobre muito. O muito é aquilo que transborda: a dor que não cabe em vocabulário, a catástrofe que escapa a qualquer relato, o excesso de realidade que paralisa a língua. O muito é a morte, a guerra, a violência, o sagrado. Diante dele, o poeta se reconhece pequeno.
Aqui, a palavra falha. O poema balbucia, hesita, tropeça. O silêncio se infiltra entre os versos, como quem confessa sua impotência. E, no entanto, essa impotência não é derrota. É testemunho. Ao não conseguir dizer, a poesia revela o peso insuportável do muito. Seu fracasso é a forma mais honesta de expressão.
Dizer nada sobre muito é lembrar que a linguagem tem fronteiras. Que nem tudo pode ser dito. Que o real, em sua densidade extrema, exige uma outra escuta: a do silêncio, a da pausa, a do vazio que fala por si.
III. O SILÊNCIO COMO FORMA DE DIZER
Entre o nada fecundo e o muito inominável, a poesia se move. Ora multiplica o quase invisível, ora reconhece sua falência diante do excesso. Em ambos os casos, o silêncio é elemento central.
O silêncio não é ausência. É presença latente, moldura invisível que sustenta a palavra. O que não se diz também compõe o poema. Os espaços em branco, as pausas, os intervalos carregam uma densidade que nenhuma palavra alcança.
Nesse ponto, o paradoxo se resolve: a poesia não busca capturar o objeto em si, mas circundá-lo. Ao redor do nada, abre fendas de sentido; diante do muito, ergue a confissão de sua insuficiência. E esse movimento — dizer e não dizer, enunciar e calar — constitui a própria essência do fazer poético.
ASSIM, TALVEZ EU CONCLUA...
A frase “a poesia pode dizer muito sobre nada e nada sobre muito” não é um jogo retórico, mas um enunciado profundo sobre a condição da palavra. O nada é fecundo porque permite que a poesia crie universos a partir do ínfimo. O muito é inominável porque revela a fragilidade da linguagem diante do excesso.
Em ambos os polos, a poesia se afirma como arte do limite. Ela nunca é plena, nunca captura o mundo inteiro. Mas é justamente nesse fracasso que reside sua força. O poeta não explica: revela.
Não traduz: circunda. Não vence o silêncio: dialoga com ele.
Entre o nada e o muito, a poesia nos lembra que viver é atravessar vazios e abundâncias, sempre com palavras insuficientes, mas indispensáveis.
O resto é apenas vida tentando caber em versos.
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@giovanimiguez