"O tempo para de ser linear, torna-se caótico, fragmentado em divisões puntiformes."
— Max Fisher
"A aceleração não produz mais progresso, mas sim colapso nervoso."
— Franco “Bifo” Berardi
Ato I – Cultura Acelerada
o dia amanhece antes de mim
com a pressa de um animal em fuga
as notificações são pássaros metálicos
picando minha atenção em migalhas
a ampulheta já nasceu rachada
o tempo escorre em espirais desiguais
os minutos mastigam uns aos outros
até não restar nada inteiro
ideias brotam frágeis
e são colhidas cruas pelo mercado da pressa
me escondo no bolso de um segundo
mas o segundo evapora
antes que eu o reconheça
Ato II – Crise da subjetividade
sou ator sem roteiro
trocando máscaras no escuro
cada sorriso que visto
me abandona na primeira esquina
os espelhos não me devolvem nada fixo
sou um mosaico de versões inconclusas
um quebra-cabeça feito de peças
que mudam de forma enquanto tento encaixá-las
a ansiedade é um tambor de guerra
batendo dentro do peito
marcando um ritmo que não sei dançar
o eu se gasta no atrito
entre quem esperam que eu seja
e quem me sobra ser
Ato III – Colapso da Realidade
a paisagem é um tecido de fumaça e vidro
o real se disfarça de ficção
a ficção veste o uniforme do real
e ninguém lembra mais quem mentiu primeiro
os pixels são pólen de uma primavera sintética
que não tem cheiro nem vento
verdades e mentiras dividem o mesmo quarto
com janelas fechadas e luzes acesas
a imaginação respira por aparelhos
enquanto navego num labirinto de reflexos
tentando tocar o mundo
que insiste em existir apenas atrás da tela
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