porque poesia não se gasta…
talvez a poesia
seja do mesmo tecido
dos sonhos —
não se gasta no uso,
apenas no esquecimento.
há quem a guarde
como flor rara
num vaso de vidro,
viva porque intocada,
imune ao toque
de todas as mãos.
se todos a tivessem,
talvez seu perfume
se perdesse no ar,
misturado ao cheiro
das ruas.
mas há quem a veja
como mar:
mesmo quando todas as cidades
tocam sua beira,
ele é ainda mar —
imenso, salgado,
onda que nunca
se repete.
o risco não está
no amor de todos,
mas no olhar apressado
que a reduz a ornamento;
não é a multidão no portão,
mas a pressa em cruzá-lo
sem ouvir o silêncio.
no fundo, a poesia
vive dessa tensão:
flor que precisa de sombra
para não murchar,
mar que recebe todos os corpos
sem perder a própria vastidão.
porque poesia não se gasta —
o que se gasta
é o olhar.
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