"O que escondem, nuvens? É alguma coisa alimentada nas raízes plantadas na escuridão da alma e sobe até atingir uma 'consciência' que no fundo é luz sobrenatural e milagre." - Clarice Lispector, Um Sopro de Vida.
o dia nasce
num cinza que não pesa
mas dissolve os contornos.
as nuvens derramam
uma luz difusa
quase líquida
sobre o mundo suspenso.
não há tristeza
no céu velado.
as cores adormecem...
não morrem.
o ar guarda um silêncio
que parece antigo
e me envolve
como um abraço que não se vê.
dentro de mim
um céu parecido se expande.
pensamentos flutuam
como nuvens lentas,
soltas,
de qualquer gravidade.
cada ideia
se condensa em gotas.
caindo,
sobre o chão da consciência.
não sei mais
onde termina o fora
e começa o dentro.
sou horizonte e firmamento
cinza e sereno
estendido nas alturas.
as nuvens.
retalhos de silêncio
costurados no alto,
desenham mapas
do que sinto sem nome.
há uma claridade velada,
uma luz mansa
que não cega
mas revela
o que o sol pleno
costuma esconder.
o tempo
fica suspenso.
cada minuto
desdobra-se devagar
em entendimento.
o cinza
também ilumina.
há um brilho escondido
atrás das nuvens do meu peito.
uma verdade silenciosa
aguardando o nevoeiro passar.
nesta manhã sem sombras duras
eu me descubro inteiro.
a ausência do sol
acende uma presença em mim:
um céu vasto
onde as nuvens do pensamento
passeiam livres
e a consciência
se alarga
até tocar o infinito.
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